segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O tocador!


O tocador faz suas poesias em arpejos, dedilhando acordes em seu violão
O tocador toca seus lamentos, dedilhando fraseados de sentimentos
O tocador faz a sua historia, com o coração em seu instrumento
Sob a lua cheia tocando e contando estrelas
Ouvindo o estalar da fogueira
Tocando e contando estrelas!


 Autor: G.Cardoso

Inês

Tem teu nome a estranha graça
De uma galga verde, estranha.

Certo langor te adelgaça,
Certo encanto te acompanha.

És velada, quebradiça
Como teu nome é velado.

Certa flor curiosa viça
No teu corpo edenizado.

Chamam-te a Inês dos quebrantos,
A galga verde, a felina,
Amaranto de amarantos,
Das franzinas a franzina.

Teus olhos, langues aquários
Adormentados de cisma,
Vivem mudos, solitários
Como uma treva que abisma.

Tua boca, vivo cravo
Sangüíneo, púrpuro, ardente,
De certa forma tem travo
Embora veladamente.

És lírio de velho outono,
Meiga Inês, e de tal sorte
Que já vives no abandono,
Meio enevoada da morte.

Teu beijo, do rosmaninho
Tem o sainete amargoso...
Lembra a saudade de um vinho
Secreto, mas venenoso.

Por um mistério indizível
Não te é dado amar na terra.

Vem de longe o Indefinível
Que os teus silêncios encerra!
Deus fechou-te a sete chaves
O coração lá no fundo...

Mas deu-te as asas das aves
Para irradiares no mundo.

Autor: João da "Cruz e Souza"

Meu Deus, me dê a coragem

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.

Autor: Clarice Linspector

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Sentado

Como posso mudar estando aqui sentado?
Vendo a vida passar, sem que eu me mova,
Parado, estático dentro desta alcova
Esperando que chegues sem ter pecado.
Vou levantar e sair às ruas
E triste menear a mão direita,
Despejando palavras cruas,
Contra quem estiver a espreita.

E eu lutarei contra o cansaço.
Esperando sempre pela aurora.
E manterei ereto meu braço.

Tentando encontrar na emoção,
No grito da poesia posta pra fora,
Um motivo para esta sensação.

Autor:G.Cardoso

Soneto de fidelidade

(dedicado ao Geliston que tanto adora essa obra)

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

Autor:Vinicius de Moraes

Soneto 4

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
 
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É um não contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder;
 
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor
É ter com quem nos mata, lealdade.
 
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Autor:Luiz Vaz de Camões

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Um garoto e seu pássaro!

Um garoto e seu pássaro!
Talvez fosse para ser dramático,
Com sua roupa preta rasgada
Com seu pássaro, na chuva!

Um garoto e seu pássaro!
Molhado, triste, sombrio
Talvez pobre, talvez não!

Um garoto e seu pássaro!
Com uma leve melancolia em seus longos cabelos
Com um olhar sombrio, como o seu pássaro!

Um garoto e seu pássaro!
Um corvo, um pássaro preto,
Um garoto pássaro!

Autor: G.Cardoso

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
_não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
_mais nada.

Autor: Cecília Meireles

Epitáfio

Aqui jaz o Sol
Que criou a aurora
E deu luz ao dia
E apascentou a tarde

O mágico pastor
De mãos luminosas
Que fecundou as rosas
E as despetalou.

Aqui jaz o Sol
O andrógeno meigo
E violento, que

Possui a forma
De todas as mulheres
E morreu no mar.

Autor: Vinicius de Moraes

Não: não digas nada!

Não: não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já

É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.

És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.

Autor: Fernando Pessoa

A corrente

Sente raiva do passado
Que o mantém acorrentado.
Sente raiva da corrente
A puxá-lo para frente
E a fazer do seu futuro
O retorno ao chão escuro
Onde jaz envelhecida
Certa promessa de vida
De onde brotam cogumelos
Venenosos, amarelos,
E encaracoladas lesmas
Deglutindo-se a si mesmas.


Autor: carlos Drummond de Andrade

Nossa Fala

Meu povo sonha com a paz
De que adianta sonho, meu rapaz
Meu povo sonha com o mar
Mas o único mar é o seu chorar
Mas o único mar! é o seu chorar
A vida era bela
Loucos, bêbados queimam nesta vela
A vida é uma cela, e a morte,
É a chave desta cela
A lua me engana! Me liberta, me esgana
A lua é o mistério desta vida, deste inferno
No meu jardim, rosas secam
No seu olhar, lágrimas berram
No seu olhar! Lágrimas berram
Liberte meu povo desta vida, deste nojo
Sujeira nas palavras, poemas em garrafas
Garrafas de vinho, de tudo, de nada
Liberte-nos da mentira, destas meras palavras
Porque o vinho não entorpece nossa fala
O vinho, não entorpece nossa fala


Autor: G.Cardoso